segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Menina Jesus

Mónica:

Não é que o nosso primo pôs no Facebook uma foto daquele Natal em que o Tio Armando resolveu mascarar-se de Pai Natal? Apareces lá tu chorosa com a barba que tinhas acabado de arrancar na mão, enquanto o resto da família está perdida de riso. E ano após ano, toda a família lembra-se daquele Natal e sei que ainda hoje, quando se fala nisso, por muito que disfarces, ficas toda envergonhada.
Por isso, e como sei que deves ter ficado toda abespinhada e já deves ter amaldiçoado o David (e não me digas que é mentira, quem não te conhecer que te compre!), resolvi contar-te uma história do teu primeiro Natal. Obviamente que não te lembras, e não há fotografias desse ano, mas foi um Natal que me ficou sempre na memória. Quem sabe se assim não te ajuda a eclipsar as memórias do Natal em que revelaste, não a careca, mas a falsa barba do tio?

Estávamos em 1984. Tinhas nascido há dois meses. A Mãe estava em casa de licença de parto, e teve nesse ano mais tempo para dedicar às tarefas natalícias. Ainda por cima, o Pai, todo babado por finalmente ter uma menina, também se oferecia para também para tratar dos teus cuidados sempre que era necessário. Ele mudou mais fraldas tuas do que minhas e do Ricardo juntas e até foi ele que te deu o teu primeiro banho. A Mãe até estava espantada com tanto desvelo raramente visto comigo ou com o Ricardo, mas sabia que aliando a alegria de ter finalmente uma filha e a experiência de já ter dois filhos, ele já dava bem conta do recado. E como era menos uma preocupação, também era bom para ela. Além do mais, eu e o Ricardo fomos sempre donos dos nossos narizes e não tivemos quaisquer ciumeiras.

Nesse Natal, eu tinha seis anos. Tinha acabado de entrar para a escola primária e sentia-me todo importante por já andar na escola e fazia por cumprir todas as responsabilidades, dos trabalhos de casa até à arrumação do cacifo. No início do mês de Dezembro, os professores tinham pedido para os alunos trazerem elementos para formar um presépio gigante no átrio da escola. Cada um trouxe uma figura ou algum material para fazer o presépio e ficou uma coisa digna de se ver. Com umas caixas de cartão, tinham feito um monte do meu tamanho coberto de musgo, entrecortado por um papel de prata a fazer de rio onde puseram patos. A encosta estava polvilhada de pastores, ovelhas e até umas casinhas. E lá no alto, a gruta com uma representação muito sui generis da Natividade, pois tinham trazido dois São Josés e os professores devem ter decidido que não valia a pena a chatice de deixar um de fora, por isso lá estavam os Josés de um lado, a Maria do outro, e o Menino Jesus ao meio. Eu estava muito orgulhoso de ter sido eu a trazer o Menino, que fazia parte do presépio que todos os anos a Mãe armava debaixo da árvore lá em casa.
Como era hábito, no último dia de escola houve uma festa, com cada turma a actuar com a respectiva cantilena. Depois seguiu-se a sempre desejada hora de encher o bandulho com todas as guloseimas que cada um trouxera. Estava eu alegremente com uma fatia de torta Dan Cake na mão quando verifiquei, para meu choque, que o Menino Jesus não estava no presépio. Alguém o tinha roubado! Dada a situação, fiz aquilo que um miúdo de seis anos, inteligente e responsável como eu, era suposto fazer: desatei a chorar que nem um desalmado. Quem fora o malvado que tivera a ousadia de roubar o Jesus do presépio? Foi então que a festa acabou em tragédia, com a maioria dos miúdos também a chorar: alguns em solidariedade para comigo, outros a fim de clamar inocência do furto. Desnorteados com a situação, os professores não tiveram o remédio do que deixar tudo em águas de bacalhau, dar a festa por encerrada e tentar consolar a todos.

Porém, uns dias depois ainda estava triste pelo sucedido e nem o facto de os pais dizerem que iam comprar outro Menino Jesus para o nosso presépio, me deixava mais animado. Mas um dia, eu e o Ricardo estávamos a ver televisão, provavelmente o Natal dos Hospitais, e a Mãe veio-se juntar a nós na sala contigo ao colo. Foi então que o nosso irmão, já na altura sempre atento a tudo como só ele, chega-se ao pé de mim e diz-me:
- A Mónica pode ser o Menino Jesus.
- O quê?
- O Pai é José como o José, a mãe tem Maria no nome como a Maria e a Mónica é um bebé como o Menino Jesus.
- Mas a Mónica é uma menina, não um menino.
- Não faz mal. Faz de conta. 
Pensei um pouco no que o Ricardo disse e cheguei à conclusão que se não havia mal nenhum em ter um presépio com dois São Josés, também não deveria fazer assim tão mal em haver uma menina a fazer de Jesus. Mais tarde, quando chegou a casa, o Pai veio ter comigo e disse:
- Olha, Nelson, comprei outro menino Jesus para o presépio. Não quero é que fiques triste no Natal.
Ao que respondi:
- Não estou triste, Pai. Nós já temos uma Menina Jesus. - e apontei para ti, que dormias pacificamente na alcofa.
- Tens razão.

Quando chegou a noite da Consoada, eu e o Ricardo estávamos junto à árvore a admirar com uma quase devoção as luzinhas coloridas e intermitentes, pois até esse ano só enfeitávamos a árvore com fitas, bolas e pedaços de algodão, daí que ter pela primeira vez uma árvore de Natal com luzes a piscar parecia algo para além de fantástico. Foi então que me lembrei de lhe perguntar:
- Se a Mónica é o Jesus, a Mãe é a Maria e o Pai é o José, nós somos o quê?
- Somos os pastorinhos que viemos dar os parabéns por ela ter nascido.
Mais uma vez, achei graça à ideia do Ricardo. Na altura, só abríamos as prendas na manhã do dia 25, tu depois é que implantaste a tradição de abrir à noite quando, três Natais depois, não havia quem te arrancasse  de perto das prendas debaixo da árvore até à meia-noite. Mas até irmos deitar passámos o resto da noite de 24 junto da tua alcova, desempenhando o papel de pastorinhos a adorar o Menino, ou melhor, a Menina Jesus. Desde então, nunca mais dei mais importância aos bonecos do presépio, pois sentia que nós formávamos um presépio de carne e osso.

Espero que tenhas gostado desta história, creio que ninguém ainda tinha-te contado isto. Estou muito ansioso para te rever e a Ju está louca por finalmente conhecer-te a ti, ao Pai e ao Ricardo. (É pena que nunca possa vir a conhecer a Mãe...) Aqui há neve com fartura há que tempos, e embora seja bonito de ver, tenho saudades do sol de Inverno português. Que até lá tudo te corra pelo melhor!

Feliz Natal,

Nelson 

P.S.: Quando desmontaram o presépio da escola, acharam o Menino Jesus desaparecido. Havia uma parte descolada no cartão da zona da Natividade e o Menino tinha rebolado  lá para dentro, sabe-se lá como. No Natal, ele há cada coisa mais inacreditável!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cá vou vivendo

Hoje, que é Dia dos Finados, é que me deu para olhar para trás, pensando nestes meus dois anos sem ti. Por um lado, tanta coisa mudou que às vezes que a tua presença neste mundo foi uma realidade paralela. Por outro lado, ainda tenho dias em que nem consigo crer que já não estás aqui a meu lado. A falta que me fazes, Celeste Maria. Tantos anos com a vida correr certinha, apesar de uns ou outros percalços, como um calmo leito de rio e de repente, tu partiste e fiquei sem norte, sem saber que rumo tomar.
Acabei por continuar a trabalhar, não só porque só fazia sentido meter a reforma antecipada se tu estivesses cá para gozarmos o tempo que nos restasse juntos, com os filhos já a traçarem as suas vidas, mas também porque o trabalho lá nos seguros sempre me ajuda a distrair e a desanuviar a cabeça de tanto zunir de sofrimento. Tal como me ensinaram desde pequeno, por fora mostrava-me forte e estóico, mas em privado, sozinho entre as paredes do quarto que tantos anos partilhámos, tal como todo o resto, sentia-me tão vazio e triste. Segundo o Ricardo, há cinco estádios do luto: da negação à raiva, da negociação à depressão e por fim a aceitação. Mas eu cá acho que passei pelos cinco ao mesmo tempo.

Só que mesmo que a dor e a saudade nunca se apaguem com o tempo, continuamos vivos e a vida, mal ou bem, retoma o curso. E de repente, vi o Nelson a partir para a Noruega, não hesitando em aceitar a oferta de  trabalhar num laboratório em Oslo, e a Mónica a tornar-se hospedeira e saltitar entre o céu e a terra. E de repente, fiquei só com o Ricardo aqui por perto.
Por muito que uns pais se esforcem para gostar dos filhos por igual, creio que é natural que algumas preferências surjam. Eu sempre fui mais próximo do Nelson, porque que me revia mais nele de entre os três. E a Mónica foi sempre a minha pequenina e ela sabia mesmo como deixar-me derretido e embeiçado, foi sempre uma coisa irracional. Lá dizia sempre tu, "Ai, a menina do papá". 
Já o Ricardo foi sempre um mistério para mim, sempre muito quieto e fechado em si mesmo. Mesmo em pequeno, estava sempre quietinho, não fazia birras e parecia contentar-se de observar tudo com aqueles grandes olhos castanhos, semelhantes os teus. Agora percebo que ele saiu a ti, que eras também um mistério para os outros, que também observavas tudo e nada te escapava e nunca dizias mais do que era o essencial. Mas como eu fui dos poucos a quem tu abriste a alma e o coração, sem filtro nem reservas, era fácil para mim esquecer desse teu traço. 

Enquanto bastava olhar para a expressão do Nelson para adivinhar o que se passava com ele e a Mónica sempre foi de dizer o que pensava, o Ricardo parecia por vezes de um mundo à parte, embora se mantivesse atento em tudo a seu redor. 
Ainda assim, quando ele nos contou que gostava de rapazes, já eu sabia há algum tempo. Por mais que ele não fizesse por revelar, havia sinais que não davam para ignorar. Claro que eu fiquei alarmado e só depois de falar contigo, é que pude ter o discernimento para concluir que filho é filho, não mudava em nada o que eu sentia por ele. Qualquer esperança que ainda acalentei que fosse apenas uma fase ou uma confusão juvenil não durou diante das evidências. Mesmo assim, era e é um assunto que sempre me fez espécie. 
Fui criado num tempo em que se acreditava que ser gay era totalmente inaceitável, um pecado, quase um crime até. Que os homossexuais eram todos efeminados e devassos, apesar de durante muito tempo a grande maioria manter habilmente as experiências escondidas debaixo de fachadas de homens respeitáveis e pais de família. E que pai é que consegue imaginar um filho aos beijos e abraços com outro homem sem nenhum desconforto? Por isso é que nunca quis saber de nada da vida amorosa dele para além do que ele dizia e ficava satisfeito por ele preferir falar contigo sobre isso. Limitei-me a aceitar, o que já não é pouco, e agora sei que isso já significou muito para o Ricardo.

Com o Nelson na terra dos vikings e a Mónica entre aeroportos e aviões, vi-me a procurar a maioria do apoio que necessitava no Ricardo e isso tem-nos aproximado mais do que nunca. Eu sabia que ele era psicólogo e que estava a trabalhar em escolas, mas não sabia que ele fez um mestrado sobre o que agora se chama bullying nas escolas. Tu decerto sabias, mas eu não fazia ideia que ele também tinha sido vítima de algumas maldades dos colegas de escola, que faziam troça dele só por ele ser diferente e não alinhar com as matilhas dos outros cachopos. E nem era por ele ser gay, nem sequer sabiam disso, era só por ele ser calado e reservado, e para esses fedelhos, isso já era motivo para ser esquisito e merecer ser gozado. Uma vez até o apanharam à saída da escola e enfiaram-no num caixote do lixo. Segundo o nosso filho, queriam fazê-lo chorar e ele com os nervos pôs-se a rir! Diz que foi remédio santo e não o chatearam mais. Fiquei tão admirado com a coragem dele, mas fiquei triste por nunca me ter apercebido do que ele estava a passar para o poder ajudar. Ele disse-me que entre o Nelson a ser alvo de inveja por causa das boas notas dele e umas raparigas a espalharem rumores maliciosos sobre a Mónica, eu já tinha ralação que chegue. Também descobri que ele pretende criar um grupo de apoio a jovens  que lidam com a sua homossexualidade e com todos os estigmas que daí advêm. Espero que ele consiga levar isso adiante, é uma pena haver tanta gente a sofrer por uma coisa que, vistas bem as coisas, não têm culpa nenhuma de serem assim e que não puderam escolher. Ou como diz o Ricardo: "Se fosse escolha, escolhia-se não ser homossexual e ser como a norma, quanto mais não seja porque era menos chatice."

Agora que finalmente vou conhecendo bem o nosso filho do meio, tenho aberto a minha mente a muita coisa. Ainda assim, como deves imaginar, quando fui para o Algarve com o Ricardo e o namorado dele no Verão passado, ainda foram bastantes os momentos embaraçosos. Nos primeiros dias, à hora das refeições, ou não falávamos à mesa, ou íamos fazendo conversa de circunstância. Até que num jantar, o Filipe, o namorado dele, estava a abrir uma garrafa de vinho e a rolha não havia meio de sair. Quando finalmente a rolha soltou, deixou tombar a garrafa e uma boa quantidade de vinho escorreu para cima do frango assado que tínhamos acabado de trazer. Sai-se então o Filipe com esta:
- Se calhar, em vivo o frango nunca tinha apanhado uma bebedeira. 
Era uma piada um bocadinho seca, mas sabe-se lá como, desatei-me a rir. E até ao final da estadia, não houve mais silêncios embaraçosos. Pela primeira vez em longos meses, sentia-me completamente em família. E nos grandes olhos castanhos do nosso filho, podia ver a sua felicidade em ter o companheiro e o pai lado-a-lado. Parecia que pela primeira vez, o seu silêncio dizia mais que as palavras. Tal como o teu sempre me disse tanto.
Fazes-me tanta falta, Celeste. Mas cá vou vivendo e é tudo o que eu posso fazer.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Peça do Tetris

Meu caro S.:

Houve um Natal em que um tio resolveu dar a cada um de nós, a mim, ao Nelson e ao Ricardo, um daqueles jogos de Tetris, que na altura chamavam-se Brick Mania. O Nelson foi o mais viciado, andou quase o resto do Inverno viciado naquilo, quase só parava para comer, dormir e estudar, mas eu e o Ricardo também dispensámos umas boas horas naquilo. Certo dia, a minha mãe, curiosa por saber que raio de traquitana era aquela que nos deixava todos vidrados, pediu-me que lhe ensinasse como funcionava aquilo. E não é que nem dez minutos depois, ela já estava uma mestra naquilo e a fazer melhores pontuações que eu?
Mas também não era de estranhar já que nunca vi ninguém tão organizado como ela. Como professora, já estava mais que habituada a formar ordem no meio do caos e a mesma doutrina se aplicava em casa com três filhos e um marido que se lavasse a loiça e limpasse o pó de vez em quando já era muito.
Por exemplo, nas nossas viagens em família quando íamos de férias para o Algarve ou passar alguns dias a casa da Avó Eugénia, cada um tinha a sua lista detalhada de toda a roupa que tinha de levar na mala e tínhamos de restringir a nossa tralha pessoal. Eu e os meus irmãos protestávamos ao princípio mas no fim, nenhum levava assim muita coisa: bastava uns livros para o Nelson, umas cassetes para o Ricardo ouvir no walkman e um caderno e umas canetas para eu escrevinhar coisas e mais não era preciso. Mas mesmo assim,   era sempre um desafio enfiar todas as malas no porta-bagagens do carro, que nunca parecia suficientemente grande. No fundo, as malas eram peças de Tetris e minha mãe sabia sempre como encaixar. Não admira que ela também se tornasse uma expert desse jogo vindo da Rússia.
Com o tempo aprendi a ser tão organizada como ela, mas demorei algum tempo. Creio que comecei a ser boa a arrumar os pertences quando aprendi a arrumar bem as coisas do meu coração. Animada pela euforia insensata de adolescente e recém-adulta, julgava que se podia medir o amor numa média aritmética de altos e baixos, e embarcava sem hesitar nas voltas da montanha-russa. Onde cada momento de prazer era um fogo de artifício e cada momento de desgosto um drama lacrimejante. Até que surgiu uma definitiva paixão de caixão à cova que perdi por causa dos meus excessos. Fez parte do meu crescimento saber que mesmo no amor e na paixão, também é preciso haver conta, peso e medida e que tudo o que é demais, enjoa e aborrece. Fiquei muito decepcionada por saber que amor, por si só, não era suficiente para fazer as coisas funcionarem.
Foi uma lição dura que eu aprendi, mas além de outros benefícios, fez com que eu fosse muito mais organizada no dia-a-dia. O que se tornou muito útil quando segui esta profissão, onde convém levar todos os pertences num pequeno trolley. Das peças básicas da roupa (como um simples vestido preto que nunca me compromete) ao frasquinho onde aplico as recargas de perfume, dos sapatos rasos que dão tréguas aos saltos altos do ofício ao tubo da pasta de dentes convenientemente enrolado à medida que se vai espremendo.
Ainda assim, eu não sou eu mesma se não viver intensamente e continuo atreita a paixões, só que agora sei medir melhor as coisas, as causas e as consequências. Por isso, pode ser que penses que eu estou a ser fria, ou que o que temos não é muito sério, mas a verdade é que ainda não decidi onde te arrumar no meu coração. A vida tem destas coisas e bastou um simples cruzar de olhares no aeroporto para que entrasses na minha vida e me baralhasses os itens emocionais. Mas ainda bem que o fizeste, não te quereria de outra forma. Porque dás-me sempre vontade de regressar para ti. Por agora, quero que tudo fique assim como está. Logo se vê onde iremos parar. Talvez sejas como aquela peça do Tetris que se infiltra no meio dos blocos mal arrumados que foram impossíveis de encaixar e que preenche os espaços deixados por completar. Para que quando caírem mais peças, venham mais pontos bónus.  

Um beijo,

M. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Reles

Não sei exactamente com quantos homens já dormi. Cem? Duzentos? Eu sei lá, chegou uma altura que já não tive coragem para fazer contas. Foram muitos mais do que aqueles que deviam ter sido, e isso é que interessa.
Se eu fosse homem, suponho que seria um herói. Haveria aqueles, sobretudo mulheres, que me chamariam tarado e vadio, mas outros, sobretudo homens, olhar-me-iam com admiração e reverência. Seria o supra-sumo da virilidade, o macho dos machos, um deus sexual. Mas como sou mulher, na melhor das hipóteses, sou considerada uma excêntrica. E na pior, uma puta do mais reles que há.
A bem-dizer, essa palavra de quatro letras não se aplica literalmente a mim. A minha profissão não é a mais velha do mundo, e embora algumas vezes tenha-me sido oferecido dinheiro pela pernoita, eu nunca aceitei. Como de uma vez que quando acordei com uma nota na mão, que fui dar logo ao primeiro mendigo que eu vi. Mas obviamente que num sentido mais lato é o que eu sou.
Posso dizer que sou uma viciada em sexo, que o sexo pode provocar uma dependência e uma "pedrada" tão forte como qualquer droga que se possa mencionar, que momentos houve onde o que me interessava era saber onde é que a próxima vez que irei foder, em busca do êxtase que desaparece tão depressa como surge. (Quando ainda surge...) Mas como poderão ver o meu sofrimento, se só me vêem é tentar engatar da forma mais óbvia e oferecida? Ainda por cima, vivemos numa altura em que a dependência do sexo é sobrediagnosticada, em especial a celebridades que vêem as suas taras privadas tornarem-se públicas.
Mas porque é que me tornei assim, não sei dizer ao certo.  Sempre me disseram que eu sou bonita, mas nunca me senti bonita. Sei que tenho bons atributos, físicos e não só, que captam a atenção de qualquer homem mas estou sempre duvidar disso, e só consigo acreditar quando alguém se aproxima de mim. E na minha mente, só podiam se aproximar de mim para o sexo, que mais poderia ser? Só com sexo, teria namorados, sentir-me-ia bonita, sensual, desejada, amada, só com sexo eu prestava...E aos poucos, deixei que se aproveitassem de mim, que me usassem, tornei-me mais descartável que uma pastilha elástica. Alimento a ilusão que é que estou em controlo, eu é que dou o primeiro passo, eu é que seduzo, mas na verdade já perdi o controlo de tudo, o vício é que me controla.
Nem sequer posso justificar-me com um trauma do passado, como abusos sexuais ou a um pai ausente ou violento, como é habitual em tantos casos como o meu. Tive uma infância inconsequente mas relativamente feliz e tive pais sempre atenciosos e carinhosos.No fundo, pura e simplesmente não consigo gostar de mim e andei sempre em busca da validação.
Pois eu sei, o tal slogan do leite, se eu não gostar de mim, quem gostará...mas é mais fácil falar do que fazer. Não tive só sacanas na minha lista, também houve tipos decentes, se calhar alguns que gostavam mesmo de mim, e que os afastei por não acreditar que alguém pudesse gostar de mim a não ser para me saltar em cima. Não gosto de mim o suficiente ao ponto de não ter vontade nem força para me deixar disto e conservar a pouca dignidade que me resta. Para começar a olhar-me de outra forma e fugir deste caminho que me empurra para o abismo. Provavelmente já é tarde demais para mim, mas não consigo deixar de sonhar que um dia, alguma luz irá penetrar no escuro do meu ser e à força de me encadear tanto os olhos, eu veja tudo de maneira diferente. E eu me veja como bem mais do que a puta reles que eu me conformei a ser.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Grão-Ducado

Era apenas um sonho em forma de anúncio num jornal. Um tiro no escuro. Quase como jogar no EuroMilhões. A esperança não era muita, mas só não jogando é que não sai mesmo o jackpot. Se é verdade que a desgraça toca por volta e meia a qualquer um, as horas felizes também surgem assim. Mas logo a mim?
Quando vi aquele e-mail na biblioteca, levei as mãos ao ar e nem sei como gritei logo ali. Afinal os sonhos acontecem, e alguns deles levam-nos bem longe. No meu caso, a um pequenino grão-ducado entalado algures na Europa. Esse seria o lugar a que chamaria casa durante três meses. Para um estágio onde eu faria aquilo que sonhava fazer na vida: traduzir. E logo para o Parlamento Europeu.
Assim que o avião descolou de Lisboa, sabia que um admirável mundo novo estava agora à minha frente. E apercebia-me de quanto o meu país está ali encurralado num canto da Europa, quase dentro de uma redoma. Indo para fora, é mais fácil sentir-se um cidadão do Mundo, sobretudo da Europa, e que há toda uma tapeçaria de sons e imagens estendida pelo Velho Continente, onde as estradas são como os fios urdidos. Parece que Portugal é apenas o arremate.
No entanto, em certos aspectos, era como Portugal tivesse ido comigo, ou não estivesse eu num país com tantos imigrantes que eram meus compatriotas. Aliás, na casa em que fiquei, no meio de uma família portuguesa, só me dava conta que estava fora do meu país quando olhava pela janela e via aquelas casas típicas de outras latitudes que só tinha visto em fotos.
Porém ao deixar o lar longe do meu lar e sair para a rua, sentia-me como a Dorothy quando descobriu que já não estava no Kansas. Mesmo quando essas ruas, pontes e avenidas se iam tornando familiares aos meus olhos. Não ao fim do arco-íris, mas ao fim do percurso do autocarro, lá estavam as Torres Gémeas, quais Torres de Babel, onde tantas línguas confluem como rios, esperando que no curso se chegue a um mar de entendimento, a bem do Velho Continente.
No 12.º andar da Torre A, surgiam-me no computador actas e ordens do dia destinadas às diversas comissões de deputados do Parlamento Europeu em francês e inglês para eu traduzir para a minha língua. Das quotas de captura do carapau branco à situação os direitos do Homem na Guiné, nenhum assunto escapa ao debate dos deputados em Bruxelas e em Estrasburgo nem à descodificação dos tradutores nas Torres erguidas no bairro luxemburguês de Kirchberg.
Mas se já a oportunidade de viver noutro país e trabalhar em tradução seria já uma valiosa experiência para a minha vida, foram os amigos que fiz lá que a tornaram verdadeiramente preciosa. Primeiro, o encontro dos estagiários, as apresentações feitas em várias direcções, as curiosidades sobre as origens e as línguas de cada um. Depois, os forwards no e-mail trocando piadas, reflexões e convites, as conversas temperadas com a comida da cantina à hora do almoço ou sob um café au lait nas pausas matinais, as festas regadas com um quanto baste de álcool, as viagens que por entre tropelias e azeites me fizeram descobrir mais lugares que até então só em sonhos tinha ido. Por fim, sentir na alma que havia tanta gente vinda de tantos sítios diferentes do meu que me acarinhou, que me inspirou, que soube olhar para além da minha superfície e ver o meu verdadeiro eu.
Tive muita pena que o meu sonho não pudesse durar mais do que três meses, que passaram num instante diante dos meus olhos e deixaram tanto por dizer a tanta gente. Porém, ao menos vivi o sonho intensamente enquanto durou; se era para ficar triste, que o ficasse depois, quando acabasse.
Quando numa madrugada de Dezembro, deixei a neve (que caíra na véspera como que num gesto de despedida do Luxemburgo para mim) e aterrei sob o tímido mas límpido Sol de Inverno português, trazia comigo um mundo mais alargado e tantas memórias do grão-ducado que para sempre viverão comigo, que ainda hoje permanecem tão vivas. Bem como a ânsia de saber aonde outros sonhos me levarão...     

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Postais de Bruxelas

Minha Cara M.:

Andas lá tu nas alturas, riscando céus e furando nuvens, enquanto te moves elegantemente pelo avião servindo os passageiros. E eu aqui na terra, a pensar em ti. Ainda que eu espere por ti mas não desespere. Nunca fui dado a estoicismos, nem ando a suspirar sobre quando vens ou deixas de vir. Sigo a minha vida com o trabalho, as idas ao ginásio e à piscina e saídas com amigos. Por vezes, conheço outras mulheres, e chego a sair com elas. Ainda não me deitei com mais ninguém desde que te conheci, mas se chegar uma altura em que o ferrão da solidão doer demasiado, não te digo que isso não pudesse acontecer. E não te censuraria se o mesmo te acontecesse. O céu pode ser um local muito solitário.
Já pensei muitas vezes porque é que não termino com tudo e te deixo aí em cima, livre para ir mais além e deambular por outros lugares, enquanto procuro alguém para amar em terra firme. Mas o teu feitiço ainda está tão entranhado em mim e alimento esta esperança que tu sejas a mulher da minha vida.
Devia saber que me iria apaixonar por ti quando te vi. Que tu eras perigosa e sabias como dissipar o meu orgulho de macho. Que tu sabias como amar um homem e deixá-lo perdido pela tua pele. Que tinhas um raro discernimento sobre os mistérios do universo masculino (dizias tu que foi por cresceres com dois irmãos mais velhos e um pai que sabia dançar). Mas não me arrependo. Até porque sou feliz mesmo sem ti.
Claro que quando tu me ligas a anunciar que chegaste cá, e apareces em casa - por vezes ainda com a tua farda de hospedeira - e envolvemo-nos em abraços, é fácil imaginar que a felicidade completa só existe quando te tenho a meu lado, quando te tenho na minha cama. Mas prefiro pensar que tu és apenas a cereja em cima do bolo, o ouro sobre o azul.
Agora fazes o voo para Bruxelas e volta e meia, envias-me postais. Do Atomium, da Grand-Place, do Parlamento Europeu, da Godiva. Sem nada escrito ou com mensagens telegráficas. "Os melhores chocolates do mundo", "Vi o Durão Barroso", "Lanche num pequeno bistro". Sempre foste muito sintética. Ou melhor, sempre foste de falar pouco e dizer muito. E é esta é tua forma de dizer que ainda pensas em mim.
Por isso, podes continuar aí nas nuvens, toda elegante e profissional na tua farda. Manda-me postais de todos os sítios onde fores com meia dúzia de palavras rabiscadas no verso. Quando aterrares de novo no nosso país, eu estarei aqui para te acolher. Talvez quando correres o mundo, hás de sentir que o teu lugar é aquele de onde partiste e queiras um dia vir para ficar. Comigo. É este o meu sonho inconfessado
Mas pensa também que um dia, a altura e a distância que nos separam poderão ser longas demais. Ao ponto de que estejas também longe dos meus pensamentos. Talvez aí seja por outra que eu anseie por ver chegar. Se o céu é um lugar solitário, a terra também pode ser.
Mas por agora, voa por esse céu azul. E quando voltares, traz-me um chocolate. E de preferência, saudades minhas encafuadas na bagagem.        

Com saudades,

S.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Olhando pelo retrovisor

Meu caro irmão:

Se até a mim pareceu uma cena surreal, imagina para o nosso Pai. Vistas bem as coisas, não devem ter sido muitos homens que passaram uma semana de férias na Manta Rota com o filho e o namorado deste. Claro que o Pai foi sempre muito cordial com o Filipe e a maior parte do tempo até conseguiu abstrair-se do cenário insólito. Eu e o Filipe também concordámos em dormir em quartos separados e em não trocar manifestações de afecto diante dele, aliás em público somos sempre bastante discretos, preferimos sempre deixar isso para quando estamos os dois a sós.
No entanto, havia momentos em que o semblante do nosso Pai dizia tudo. Olhava para mim e para o Filipe, e era notório o desconforto. Estaria ele a imaginar com desagrado o filho dele agarrado aos beijos com outro tipo? Ou a desejar que a Mãe ainda fosse viva para lhe dizer como falar e agir diante desta situação inédita?
Sei que para ele é difícil. Ele cresceu a pensar que homossexualidade era algo simplesmente inconcebível e imagino que deve ter sido muito duro saber que um filho dele gostava de homens e que foi preciso muito esforço para compreender. Claro que ele e a Mãe sempre souberam, por isso posso dizer que nunca saí do armário porque nunca cheguei a entrar. Se calhar já sabiam antes de ti, que reparaste quando víamos as "Marés Vivas" e enquanto te babavas com a Pamela Anderson, eu entusiasmava-me tanto com o David Charvet que notaste o alto nos meus calções. Por isso, já significa bastante para mim que o Pai me aceite e me compreende, mesmo que não goste mas a isso não é obrigado.
Já achei extraordinário o Pai ter aceitado em vir. Quando lhe propus ir connosco foi naquela da brincadeira, imaginando que ele iria dizer que não. Não sei bem porque terá dito sim, mas acho que foi porque já não ia Algarve desde que a nossa Mãe morreu. Eles tinham retomado a ideia de ir fazer férias no Algarve nos dois Verões antes da morte dela, agora que os três filhos estavam foram de casa, e que tinham redescoberto a nova dinâmica de serem só eles os dois. Pensavam que passariam o resto dos seus dias serenamente os dois lado-a-lado, gozando a reforma, acolhendo as visitas dos filhos, ansiando a chegada dos netos por ainda uns bons anos. Foi um sonho que foi muito duro de abdicar para o Pai, ainda mais do que o seu desejo secreto de que eu estivesse só "numa fase". Mas que ele tinha de abdicar para continuar a viver em paz.
Partimos a meio da noite, como fazíamos quando íamos para o Algarve em putos, lembras-te? Para mim essa a melhor noite do ano, quando os pais nos acordavam, vestíamo-nos à pressa, descíamos as escadas com as nossas mochilas prontas a serem engolidas pelo porta-bagagens do carro. Depois sentávamo-nos no banco de trás e como sempre eu ia ao meio. De um lado, sentavas-te tu, que não tardavas em adormecer, e do outro, a Mónica, que a Mãe levava sempre com mil cuidados para não acordar, sempre a dormir imperturbável na cadeirinha dela. Também era costume a Mãe adormecer passado um bocado. Mas eu ficava acordado e olhava fascinado para a estrada a ver a noite transformar-se em dia. Primeiro o escuro da noite apenas iludido pela luz dos faróis, depois um rasgo vermelho do sol nascente, depois a metamorfose num céu azul e chegávamos a meio da manhã, com o cheiro a mar a insuflar-nos os pulmões. Como se a nossa cidade fosse o país da noite e o Algarve o país da manhã e o carro tivesse cruzado clandestinamente a fronteira entre os dois.
Na noite da partida, o Pai falou-me desse tempo, em que olhava pelo retrovisor e via-me de olhos bem abertos, fixos no horizonte da estrada enquanto os outros dormiam. E nessa madrugada, enquanto o Filipe dormia a sono solto no banco do passageiro, pareceu que os papéis tinham-se invertido. Eu é que estava a conduzir, atento à estrada, mas ao ver o Pai pelo retrovisor, vi que ele olhava fixamente em frente para o longo do céu e da estrada. Gostei de imaginar que era agora ele que se deixava maravilhar pelo encanto do nascer do sol, como se tivesse cruzado a fronteira do dia da noite com um prazer transgressor e que à chegada havia um horizonte de mar e de sal para o acolher. E que algures na aurora, a Mãe estaria lá.

Com um abraço,

Ricardo

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Frasco de Geleia

Não concordo com o que diz a personagem do Billy Crystal em "Um Amor Inevitável", que uma amizade entre homens e mulheres é impossível porque o sexo, ou pelo menos o desejo sexual, está sempre presente e acaba por estragar tudo. Acredito que é perfeitamente possível uma amizade entre homem e mulher, numa relação de puro bom entendimento e companheirismo, sem que uma eventual atracção, mútua ou unilateral, seja motivo para pôr as coisas em cheque. E nós sabemos bem disso, porque sempre tivemos mais tendência para travar amizade com o sexo oposto. Uma vez até me disseste que as tuas amizades masculinas têm sido geralmente mais verdadeiras e compensadoras que as femininas. E para mim sempre foi um pouco mais fácil criar amizade com elas do que com eles. E sim, já me senti atraído por algumas das minhas amigas e já formulei muitas questões começadas por "e se...?" Porém, como ambos sabemos apreciar o valor precioso de uma boa amizade e já sofremos com a desilusão daqueles que se revelaram serem amigos e amigas da onça, sabemos o quanto custa quando uma amizade se estraga pelos mais variados motivos. E que por vezes, não vale a pena pôr mais incógnitas na equação.

Claro que a atracção é um assunto que poderá complicar, e bem, as coisas. Mas nesse caso, das duas uma: ou se arrisca e tenta-se conquistar o outro, avança-se para saber se vale a pena enveredar por uma relação amorosa ou sexual; ou então não se arrisca, ou porque o outro deixou bem claro que não sente o mesmo e não vale a pena, ou porque não se está para chatices, ou então porque as coisas estão bem como estão e se algo não está partido, não é preciso arranjo. Sou tentado a dizer que a primeira hipótese seja mais tipicamente masculina e a segunda mais tipicamente feminina.
Atrever-me-ia até a dizer que se um homem diz "eu não quero algo mais porque pode estragar a nossa amizade", regra geral quer dizer "não estou assim tão interessado em ti, não há hipóteses de sermos mais que amigos, desculpa lá." Se algum já te disso isso e se ficaste com a pulga atrás da orelha, tiveste certamente razão. Geralmente, se um gajo está mesmo interessado, seja em termos de amor ou de simples tusa, quer lá saber se a amizade pode-se estragar ou não. Quem não arrisca, não petisca e lá vai disto.

Mas eu devo ser uma excepção que confirma a regra. Primeiro porque sempre fui um solitário e sempre que sentia o menor sinal de afecto e empatia da parte de alguém, é como se tivesse achado algo inestimável e precioso. Depois porque muitos, senão a maioria, não conseguem ou não querem conhecer o meu verdadeiro eu, para além da minha superfície peculiar, por isso sempre que alguém tem a coragem e a inteligência para o fazer, eu sei que essa pessoa vale a pena. Se há coisa que me arrependo na minha adolescência, foi a de me preocupar com gente que não me valorizava e de quem não valia a pena perder o meu tempo. Por isso, uma amizade para mim vale mais que ouro e tenho pena que quase todas as minhas amizades tenham grandes interregnos pelas mais diversas circunstâncias da vida. O que vale é que eu sei que quando reencontro amigos de verdade, é como se o tempo não tivesse passado e os sentimentos tivessem estado arrumados só para melhor se conservarem, como o vinho na pipa. É ai que eu me lembro que entre amigos pode haver muitas vírgulas mas nunca um ponto final.

Daí que o teu namorado pode ficar descansado em relação a mim, embora eu duvide que ele tivesse visto em mim o mais mísero motivo para desconfiança. Sim, sou gajo, tenho olhos na cara, sei que és linda. É preciso ser-se cego e atrasado para não te achar atraente. Ele é um grande sortudo em ter-te como namorada e quem me dera um dia encontrar alguém como tu. Mas tudo isso é de importância irrisória, diante do que a tua amizade vale para mim. Aliás, fico muito feliz por teres encontrado finalmente um príncipe depois de tantos sapos que tiveste que beijar. A bem-dizer, só o conheço pelo que me contaste dele, a única e muita breve ocasião em que o encontrei pessoalmente não deu para tirar mais conclusões. Mas para mim, basta-me reparar que ele te faz feliz, e que ele tem estado lá, à altura da situação, quando precisas dele.

Uma das minhas frases feitas preferidas é uma de Vinícius de Moraes: os amigos não se fazem, reconhecem-se. Nem sempre é verdade, às vezes leva tempo, mas já houve algumas pessoas que mal as conheci, soube logo que estava ali um amigo ou uma amiga. E foi o que se passou connosco. Pode ter sido o destino, o acaso, a astrologia (somos ambos nativos de Touro), ou sei lá mais o quê, mas não interessa. Sob uma luz mais analítica, poder-se-ia dizer que não temos assim muitos gostos em comum, que temos mais pontos de discordância que de confluência. Até pode ser verdade, mas isso não impediu que nos soubéssemos adaptar ao ritmo um ao outro. E talvez seja por isso que, para cada um de nós, a companhia do outro fosse especialmente interessante e enriquecedora.

Após um ano de convivência frequente, chegou a altura de seguirmos rumos diferentes. É possível que passe muito tempo sem nos vermos e que as voltas da vida coloquem uma grande distância entre nós. Se assim for, só me resta arrumar-te no espaço do meu coração onde guardo os amigos que fiz ao longo da vida e de quem tive de dizer adeus. Onde há sempre espaço para mais um, onde os sentimentos ficam conservados para não perderem o sabor. Espero que também faças o mesmo.
Pensa que será como aquele frasco de geleia na prateleira mais alta da dispensa. E que um dia, havemos de pegar num escadote, subir até lá, trazer o frasco cá abaixo e barrar a geleia no pão, para descobrir que continua saborosa como sempre.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

E é Isto

- A nossa história de amor é horrível.
- Terrível!
- Pior que telenovela mexicana.
- Pior que um telefilme melodramático.
- Quer dizer, não é bem melodramática. Mais estilo comédia romântica.
- Sim, comédia romântica mas muito fraquinha.
- Fraquinha, mas é a nossa história.
- Pode não ser grande coisa, mas é nossa e de mais ninguém.
- Mas a bem dizer, ainda agora a história começou a sério. Só estamos juntos há cinco meses.
- Mas no fim de contas tudo começou há catorze anos.
- O amor é que foi há cinco meses.
- Então não te lembras que me disseste que estavas apaixonado por mim desde os teus dezassete anos?
- Mas não era amor a sério. Quero dizer, era, mas era uma coisa platónica, como quem quer um Ferrari e sabe que nunca vai ter.
- Genial, comparares-me a um carro.
- Desculpa lá, mas era mais ou menos assim.
- Além de que tu me tiveste. Perdi a minha virgindade contigo.
- E eu a minha contigo. Sim, tens razão. Já gostava de ti desde os meus dezassete anos. Tu é que não gostavas de mim.
- Claro que gostava, senão tinha dormido contigo.
- Mas tu gostavas era do Diogo. Foi ver-te voltares para ele logo a seguir àquela noite.
- Não foi bem logo a seguir.
- Mas acabaste por voltar para ele na mesa. Mesmo sabendo que ele te tinha enganado.
- Pronto, o que é queres? Era uma miúda, uma autêntica totó. Valha-me Deus, eu era tão parvinha. Eu hoje olho para trás no tempo, e só me apetece dar um valente par de chapadas ao meu eu de 18 anos. Era tão queque, tão presunçosa, tão imatura…
- Tu eras a rainha do liceu. Todas as raparigas queriam ser como tu. E todos os rapazes desejavam secretamente estar contigo, namorar contigo.
- Como tu.
- Como eu. Mas tu eras do Diogo e mais ninguém. Ai de quem se atrevesse a aproximar de ti. Eras propriedade do Diogo, e contigo ninguém se metia. Ele deixava isso sempre muito bem claro.
- E enquanto isso, ele metia-se com a bimba da Catarina. E provavelmente com outras.
- Se não fosse aquela noite, eu também gostaria de voltar atrás no tempo e dar uma valente chapada no meu eu de 18 anos, por alimentar uma estúpida fantasia de que tu te poderias interessar-te um bocadinho que seja por mim e mandar o Diogo à viola.
- Isso acabou por acontecer. Naquela noite.
- Pois foi. Mas tão depressa voltaste para ele, que por vezes até imaginava que fui apenas um capricho. Que o fizeste só por ressabiamento, porque apanhaste o Diogo aos beijos com a Catarina.
- Mas não foi. Agora tenho a certeza que não foi. Aliás, no fundo sempre sabia. Mas no dia seguinte, estava tão confusa. Nem queria acreditar que o tinha feito. Que tinha perdido a minha virgindade contigo, quando eu nunca imaginei que acontecesse com mais ninguém a não ser o Diogo. Estupidamente, pensei que o melhor seria pensar que o melhor era fazer de conta que nunca tinha acontecido. Ainda por cima, uns dias depois, o Diogo veio ter comigo, disse-me que estava muito arrependido, que ia mudar, que curtir com a Catarina foi a maior estupidez da sua vida, que agora é que ele percebia mesmo o quanto eu era importante para ele, blá, blá, blá. E eu, vulnerável e confusa, acabei por perdoar e acreditar de novo na treta dele.
- E passaste o resto das férias lá no resort a fingir que não me conhecias. Tu de novo com o namoradinho e os teus amiguinhos, nas vossas festas de meninos ricos, e eu de novo a limpar as casas de banho para juntar um pé-de-meia para a Universidade.
- Eu tinha que te evitar. Falar contigo de novo só iria complicar mais as coisas. Decidi que o melhor era esquecer, mas nunca esqueci. Foi mesmo uma noite mágica, ali ao luar, pé do mar...
- Como aquela canção.
- Pois foi. Ao longo destes anos, quando pensava que tinha esquecido completamente, havia algo que me fazia lembrar em ti e naquela noite. Nem sei como é que correu tudo tão bem, quando estava nervosa. Cheia de adrenalina e raiva, mas super nervosa.
- E eu também. Eu mal queria acreditar. Só dizia para mim mesmo que só podia ser um sonho. Não podia estar a fazer amor com a Raquel Peixoto. Que a minha primeira vez estava a ser com ela. Que se aquilo era um sonho, não queria nunca mais acordar. Mas veio a manhã seguinte e chapéu. Tudo o que tinha era essa recordação. Fiquei destroçado quando em evitaste o resto do Verão. Para me conformar, ia dizendo a mim mesmo: “Ao menos tivemos aquela noite. É melhor que nada.”
- Uma vez, até me lembrei de ti quando estava na cama com o Diogo.
- A sério? Não me tinhas contado isso. E o Diogo não notou nada?
- Achas? Ele, egocêntrico como era, nunca notou nada. Nem nunca lhe falei de nós os dois. Ainda hoje pensa que ele é que me tirou a virgindade. Mas também não era difícil disfarçar. E disfarcei muitas vezes com ele...
- E comigo, disfarçaste?
- Não, contigo foi tudo real. Logo aí, devia ter visto um sinal. Eu acabei por ter relações com ele mais tarde e notei bem a diferença.
- Giro, giro, era que sem querer, quando estivesses com ele, sussurrasses o meu nome: “Francisco”.
- Não querias mais nada... Mas não era só na cama que dissimulava. Desde que por fora, eu sorrisse e fizesse o meu papel de esposa perfeita, para ele estava tudo bem.
- Nem acredito que casaste com ele.
- Nem eu. Mais que iludir o Diogo, iludi-me a mim própria. Pensando que ele tinha mudado, que tinha amadurecido, que os seus dias de playboy já estavam para trás. Durante os anos da faculdade, demos um tempo à nossa relação.
- Claro que para ele, “dar um tempo” significava “quero-me enrolar com quem bem me apetecer sem me sentir culpado”.
- Exactamente. E se bem o pensou, melhor o deve ter feito. Mas para mim foi mais naquela: ele ia para Coimbra, eu para Lisboa, estávamos numa fase nova da vida, iríamos conhecer pessoas novas, seria complicado manter a relação. Até para mim foi melhor assim. Fiz novos amigos, dediquei-me aos estudos, tive um ocasional flirt mas nada de muito sério.
- Nada de noites de tórrida e fortuita paixão, como foi no nosso caso.
- Nem pensar. Uns meses depois do fim do curso, ele veio ter comigo e parecia outro. A dizer que teve saudades minhas, que nenhuma das raparigas que conhecera por lá não se comparava comigo, que estava mais maduro e pronto a assumir responsabilidades. E todo cheio de gestos românticos, como nunca antes fizera. Como é que podia resistir? Mal ele pediu-me em casamento, já estava toda maravilhada.
- E no entanto, ele estava na mesma, só que mais matreiro. Ele sabia que serias a esposa perfeita, que assegurarias bons genes para os filhos e que te tinha como ele queria.
- Resumindo e concluindo. Casámo-nos e tivemos a Madalena. Ao fim de sete anos, apanho-o em flagrante na cama com a estagiária de vinte e dois anos, expulso-o de casa, ele faz inúmeras tentativas de reconciliação, descubro que houve outras antes daquela, eu já não acredito mais nele, mando-o bugiar, por fim ele aceita o divórcio e em pagar pensão de alimentos até eu conseguir orientar-me por mim própria, fica com a menina aos fins-de-semana. Foi muito duro voltar a viver às minhas custas, porque depois da Madalena nascer eu só trabalhei em part-time e no estado em que isto está, foi muito difícil voltar a arranjar emprego. Felizmente, uma colega de curso convidou-me para trabalhar na firma dela e as coisas por fim começam a entrar nos eixos. Mais ainda agora, que te reencontrei. Então e tu? Também tens de contar o que se passou contigo depois daquela noite, não sou só eu.
- Está bem. Ora é assim. Depois de naquela manhã seguinte teres-me cruelmente ignorado e evitado durante o resto do Verão...
- Tu queres ver?
- ...depois desse Verão, convenci-me que o que quer que houve entre nós os dois não iria mais além dessa noite. Fui também para a Faculdade, por lá tive uma namorada. Depois do curso, fui aceitando os trabalhos que me apareciam, mesmo fora da área, até ser contratado por aquele jornal.
- Mais ou menos na altura em que iniciaste o teu famoso blogue.
- Mais ou menos. Uns anos depois, iniciei uma relação séria com a Marta, como tu sabes. Ao fim de dois anos de união de facto, tivemos o Sandro. Três anos depois, vimos que a coisa já não estava a resultar, que já não havia um “nós” na relação, tínhamos só um filho em comum e quase mais nada. Simplesmente deixámos de estar apaixonados, como ela disse. A separação não tardou. Foi inevitável, mas mesmo assim custou-me imenso. Tinha investido muito nessa relação, tinha-me esforçado, tinha feito planos e foi doloroso saber que esses planos já não se iriam realizar. E sentia que tinha falhado. Os meus pais continuam felizes e casados ao fim de quase quarenta anos, e eu sempre quis algo assim para mim, alguém para amar e passar o resto da minha vida. E pensava que a Marta seria essa pessoa. Mas nós continuamos amigos, damo-nos lindamente, e não só apenas por causa do nosso filho. Aliás, ela está grávida de novo, do actual companheiro. Costumamos ir jantar com eles várias vezes, apesar da Raquel não gostar muito da Marta.
- Mentiroso. Eu gosto dela. Não me identifico muito com ela, temos muitas opiniões diferentes, mas damo-nos bem. E creio que ela também simpatiza comigo.
-  Claro. Ela sabia da nossa história. Mas continuando, a minha separação da Marta afectou-me bastante, muito mais do que eu gostaria. Ao ponto de não me sentir muito festivo quando recebi a notícia de que iam publicar o meu blogue em livro. E publicar um livro era apenas o meu maior sonho desde que aprendi a escrever. Até que surgiste de novo, numa sessão de autógrafos.
- Eu era uma das poucas pessoas que nunca tinham lido o blogue dele. Mas quando vi a foto dele na contracapa do livro, vieram-me à mente de novo as memórias daquela noite. Só conseguia pensar “Uau, o Francisco Antunes escreveu um livro.” Ele sempre escreveu muito bem, lembro-me de gostar das coisas que ele escrevia para o jornal da escola. Claro que comprei logo o livro, devorei-o de ponta a ponta nessa mesma noite e mal soube que iria haver uma sessão de autógrafos, eu tinha que ir lá. Mas era mais naquela de nostalgia, nada mais.
- Mal dei por ela, quando ela me estendeu o livro para autografar. Já tinha dado milhares de autógrafos e nem olhei quando lhe perguntei o nome. Mas assim que ouvi o voz dela, fiquei estarrecido. Lá estava ela, ao fim destes anos todos. Ainda por cima, parecia que não tinha mudado nada. Bonita como há catorze anos atrás.
- Vou fingir que isso é verdade. Já tu tinhas mudado, mas para melhor. Quer dizer, já eras giro antes, mas parecia que tinhas melhorado com o tempo. Até os óculos faziam-te parecer mais sexy. Agora é que ele estava mesmo um borracho.
- Sim, agora que era famoso e tal.
- Até parece...
- Claro que estou a brincar. Assinei com “Para a Raquel, catorze Verões depois. Um beijo, Francisco”.
- E eu julgava que o nosso reencontro ficaria por aqui.
- Eu também. Mas duas semanas, depois, numa cena melosa como aquelas que parece que só acontecem nos filmes, lá estava ela no Burger King.
- Eu tinha ido ao cinema com a Madalena e fomos almoçar ao Burger King. Ela foi brincar para uns baloiços que lá havia e uma das crianças que lá estavam era o filho dele. A dada altura, a Madalena, que tem o hábito de ir ter comigo apresentar os amigos que vai fazendo, veio logo dizer-me “Mãe, este é o Sandro.” E o miúdo, muito educado, estende-me a mão à homenzinho, diz: “Como está, passou bem?”. Achei tão engraçado. Então ele diz à Madalena: “Vou só ter ali com o meu pai, já volto.” Vejo-o a correr e quando não é o meu espanto quando vejo ele a ter contigo a chamar-te pai.
- Igualmente espantado, fui ter contigo, pusemos a conversa em dia. E como quem não quer a coisa, perguntei-te se queria almoçar comigo um dia destes.
- Combinámos no sábado seguinte, uma vez que a Madalena ia ficar com o pai e o Sandro com a Marta.
- Sendo que o que era para ser só um almoço amigável, mas acabou por ser dois dias de paixão, a recuperar o tempo perdido. E foi ela que começou, vejam lá!
- Eu não sei o que me deu. Só sei é que já há três anos não tinha sexo. Pensava que o sexo não me fazia falta. Mas foi revê-lo, tão bonito e atraente, que percebi que não era bem assim. Olhem, atirei-me e, por uma vez da vida, não quis saber do resto. Foi como se estes anos não tivessem passado. Quero dizer, senti que os anos tinham passado, já não éramos miúdos, éramos adultos. Mas o que tinha sentido naquela noite, voltei a sentir. 
- E eu também. Ao longo destes anos, dava por mim a pensar em ti, naquela noite, em onde e como estarias então. E ao rever-te, foi como se nunca tivesse deixado de estar apaixonado contigo. E cinco meses depois, estamos assim.
- Pois estamos. Cada um ainda mora na sua casa, cada um ainda faz a sua vida, mas sempre que podemos, encontramo-nos.
- Seja para uma saída romântica ou uma sessão de sexo escaldante.
- Mas não pensem que tem sido um mar de rosas. Este homem por vezes irrita-me profundamente, dá-me mesmo cabo da paciência.
- Ui...E tu também não és uma santa. Mas mesmo quando te zangas, continuo a gostar de ti.
- É chato quando nos zangamos, mas no fundo, prefiro ralhar do que reter tudo cá dentro, como quando eu estava com o Diogo. Pelo menos, sinto-me viva. A princípio, pensei que a Madalena iria estranhar, mas qual quê, está felicíssima, já adoptou o Sandro como irmão. Aliás, praticamente desde que começou a falar que me pedia um mano.
- Não sabemos onde isto vai dar, se vai ser para durar. Mas até agora, não tem corrido mal. E eu também.
- Eu também.
- É como se uma premonição se realizasse. Full circle.
- Absolutamente. E é isto.
- E é isto. Como vêem, a nossa história é toda melosa e foleira, uma comédia romântica muito fraquinha e cliché.
- Pois é. Mas é a nossa história.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Votos desfeitos

Caminho o mais depressa que posso mas a vergonha está no meu encalço. Entro no carro rumo a casa, para junto daquela a quem jurei fidelidade e respeito.
Votos desfeitos numa troca de olhares, outros braços prontos a me acolher. A dizerem que eu sou bom, que sou maravilhoso. A pedirem mais.
Sou um cabrão traidor, que anda há meses metido com uma sirigaita de trazer por casa enquanto a boa esposa, mulher porreira e excelente mãe está lá no lar doce lar, estranhando a minha demora.
Os candeeiros da rua encadeiam-me. Será que ela já sabe? Será que ela imagina a outra como uma deusa sexual, bela e lasciva, impossível de competir? Se ela soubesse como a outra é, ficaria surpreendida. Sim, é bonita e fogosa, mas não muito mais bonita que ela, nem sequer melhor na cama.
Mas não é por isso que vou regressando à outra. É pela maneira como ela me faz sentir. Venerado, adorado, ouvido, importante, especial. Mas também não é muito difícil ela conseguir isso de mim. Nas horas em que me acolhe, não se queixa do trabalho dela, não demonstra o cansaço da sua rotina, não reclama sobre dinheiro nem sobre o ex-marido, não me conta os problemas do filho. Ela põe tudo isso para trás das costas por umas breves horas só para se dedicar a mim. Só tem que sorrir para mim, vestir uma lingerie sexy, dizer-me palavras meigas, tocar-me como sabe que eu gosto. E sinto-me logo o máximo, o macho dos machos. Emocionado com tal dedicação, acredito, acolho, iludo-me.
Até acredito que ela goste de mim, que tenha muito prazer comigo, que a sua devoção não é totalmente encenada. Se não fosse casado, até poderia querer algo mais com ela. Mas esta noite, veio-me uma estranha lucidez. A outra não vale tanto assim, e a esposa não vale assim tão pouco. Tudo o que eu queria encontrar por fora já tinha no sítio de onde parti. Eu é que não passo de um canalha ingrato, que se julgava com uma grande crise existencial. Tudo não passou de uma ilusão. Pode ter tido bonitos momentos, mas não deixou de ser ilusão. Por isso acabei tudo com a outra.
Vou regressar a casa, vou ser um marido decente. Espero que as saudades que possa sentir da outra sejam menos fortes que esta minha nova determinação. Espero que a esposa nunca venha a saber, e se souber, que se dê por satisfeita pelo meu regresso definitivo e não me confronte. Espero que, caso ela me confrontar, eu saiba as palavras certas e os actos correctos. Para que ela me perdoe e não me deixe. Embora não a censurasse se ela o fizesse.
Vou rodar a fechadura e tentar trancar a ilusão para sempre.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Preservar o calor

Ricardo:

Já deves saber que eu e a Ju nos encontramos bem de saúde, pois nem sequer estávamos próximos do local da explosão. Mas claro que esta tragédia também nos afectou, afinal de contas, este país é a nossa casa e não há memória de um semelhante murro no estômago colectivo.
Lembras-te de eu dizer amiúde que eu era uma alma nórdica aprisionada num corpo português? Pois bem, foi preciso eu ir viver para a Noruega, para me aperceber que sou portuguesíssimo. Aprecio este povo solícito, bem educado, civilizado. Admiro como assumem a sua responsabilidade, e sabem conjugar bem o trabalho e o lazer. Não perdem tempo nem dinheiro com ninharias nem gostam de fazer alarde daquilo que têm e deixam de ter. Apesar da elevada carga fiscal, os dinheiros são bem aplicadas pois os políticos aqui sabem que estão para servir e não para serem servidos e há uma real preocupação com o bem-estar das populações. Mas a verdade é que por muito que admire os noruegueses e por muitos anos que viva cá, nunca serei senão português. Não consigo adquirir as doses cavalares de paciência que eles têm; exaspera-me que mesmo no pino do Verão rara seja a semana em que não chove; chateia-me estar semanas sem ver o Sol no Inverno e o frio ainda me faz impressão embora seja geralmente um frio seco que faz com que se suporte melhor cinco graus negativos cá do que cinco positivos aí.
No entanto, embora saibam acolher e sejam um povo simpático e cordial, eles possuem uma frieza que acho que ninguém no Sul da Europa terá. Imagina tu que volta e meio dizem-me que acham graça eu ser muito expansivo e irrequieto. Vê lá, logo eu, que sempre fui tão introvertido e sempre me orgulhei de ser tão calmo e ponderado. E com a Juliana, passa-se o mesmo, dizem-lhe "és mesmo brasileira" embora ela esteja longe de ser a típica brasileira que o mundo inteiro idealiza. Mas no meio de tanta escandinava, ela era suficientemente brasileira para me aquecer...
Eu até cheguei a engatar algumas norueguesas. Aparentemente agradavam-lhes os meus olhos e cabelos castanhos, tal como eu apreciava os seus olhos claros e cabelos louros. Uma vez quando disse a uma que tinha uns lindos olhos azuis, ela respondeu que ter olhos azuis é aborrecido, que toda a gente na Noruega tem olhos azuis, que ela gostaria de ter olhos castanhos como eu. Deve ser a velha história da galinha da vizinha. Seja como for, aproveitando o meu aparente exotismo de homem latino e como em termos de engate, o português pode ser pacóvio mas é eficiente, lá fui namoriscando uma ou outra local. Mas teve que vir uma brasileira para me deixar completamente apanhadinho e querer mais que um caso fugaz. Ela não é a típica brasuca boazona mas é encantadora que só ela, como tu bem sabes. A nossa compatibilidade de feitios e gostos, aliado à invulgar situação algures entre sermos peixes fora de água e estar num lar longe do nosso lar, ajudou à nossa cumplicidade. E apesar de tudo, estamos muito felizes por viver aqui.
Por isso, esta tragédia veio-nos relembrar que até nos sítios mais aprazíveis podem surgir os piores monstros. Como aquele que esteve por detrás disto tudo, que fez explodir o prédio do gabinete do primeiro ministro e matou indiscriminadamente tantos jovens em Utoya. Muitos deles, tão noruegueses e caucasianos como ele, embora apregoasse que a sua causa era contra os forasteiros imigrantes, sobretudo muçulmanos. Para uma sociedade onde coabitavam de forma relativamente harmoniosa e pacífica gente de várias nações, raças, culturas e religiões e que se orgulhava disso, foi um duro golpe. Saber que as vozes que se erguiam contra isso poderiam ir aos limites extremos de terror para tal foi um alarmante abrir dos olhos. Lembrou-nos a todos que o terrorismo, tal como todos os males do mundo, pode ter vários rostos.
No entanto, e apesar do duro murro no estômago, existe calma, respeito e ordem. Espero que me engane, mas algo me diz que se o mesmo tivesse acontecido em Portugal, haveria uma histeria colectiva colossal. Mas aqui mesmo os que mais sofreram, recusam o vitimismo. As vozes que se levantam são para reafirmar o orgulho na sociedade multicultural e tolerante. Mais do que nunca, tenho ouvido os nossos amigos e  até desconhecidos a dizerem para não termos medo, que não têm nada contra os imigrantes bem pelo contrário, que só uma quantidade muito residual dos noruegueses é que pensa como aquele doido. Se ele queria com isto lançar uma semente de ódio, só se foi de ódio contra ele e contra aquilo que ele defende.
Por muito rapidamente que ordem e a calma tenham sido restabelecida, sei que a Noruega vai demorar muito tempo a recuperar de todas as mazelas. Foi uma espécie de inocência perdida, um brusco rasgo numa tela de cores, um abrupto risco na harmonia. Só espero que o frio do medo não se junte à frieza cordata dos noruegueses. Mas pelo que eu sei deles, tal não deve acontecer. É que aqui se aplica literalmente a expressão "trabalhar para aquecer" e num clima frio como este, viver é preservar o calor.
Não é à toa que em Portugal, toda a gente adora o Sol. Parece que em Portugal, apesar de tudo, não há nada como o sentir o Sol na cara para sentir um gosto da vida.

O teu mano,
 Nelson 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cama quente e sapatos arranjados

Tu vê só as voltas que a vida dá, Almerindo. Nem faz dois anos que foste para outro mundo e eis-me recasada, ainda por cima com um homem quinze anos mais novo. Como as coisas mudam!...
Lembras-te de quando eu era nova, a quantidade de moças que havia cá na aldeia? Eram tantas que muitas ou ficavam para tias ou iam para freiras. Houve até quem achasse um "último recurso" eu casar-me contigo, tendo eu dezanove anos e tu mais de trinta. Mas nunca dei muita importância à nossa diferença de idades. Era de ti que eu gostava, e só queria fosses bom marido e não desses em bêbado, e felizmente foste um bom marido e sempre tiveste muito tino com o vinho. Claro que por vezes, mais do que eu desejaria, eras rabugento e ralhavas comigo mas pelo menos nunca me bateste nem me chamaste nomes.
E tu tão-pouco tiveste razões de queixa de mim. Estive sempre ao teu lado nas boas e más horas, criei o nosso Zé Pedro o melhor que pude, encarreguei-me sempre de haver comida à mesa e roupa lavada quando tu e eles queriam. E nos quatro anos em que essa malfadada doença te prendeu à cama até a morte te levar, nunca me poupei nos teus cuidados, esperando reduzir o teu sofrimento como pudesse. Tu não penses que haveria assim muitas como eu, dispostas a isso nesta situação. Seja como for, fui tudo o que uma boa esposa devia ser até ao último dia da tua vida.
Mas agora na aldeia está tudo ao contrário. Mulheres há poucas, só dos cinquenta anos para cima, e quase todas casadas. Rapazes novos por casar é que são aos magotes. Vê só os três da Deolinda, ainda todos solteiros e a viverem com ela e o marido. Muitos abandonaram a cidade em busca de melhor vida e de uma esposa. Como o nosso filho, que depois da tropa, lá ficou por Lisboa, onde fez a sua vida, casou e teve as nossas netas. Os que ficam, quando acabam o trabalho, andam por aí aos bandos; juntam-se no café da Alzira, jogam às cartas, falam da bola e do mulherio que não há meio de arranjarem. De vez em quando, vão ao putedo nas cidades mais próximas. E alguns ainda se armam em esquisitos, a dizerem que só querem mulher airosa e bem-cheirosa. Mas no fim, acabam por contentar-se com menos. E se uma mulher enviuva, tem logo candidatos para novo homem. E foi isso que me aconteceu, depois de eu deixar o luto e ter de novo a vida orientada.
Se em nova era bonita, os anos não me foram muito generosos. Já tenho sessenta e um anos, só me restam metade dos dentes, os meus cabelos estão já muito brancos e quebradiços e cheiro a bedum de velha. Mas não estou morta e lá vou aproveitando a saúde e a energia que me restam. E quando me surgiu um pretendente, após o choque inicial, não demorei assim muito tempo a decidir aceitar a companhia dele. E vê lá tu, foi o Juvenal, o filho do Alberto sapateiro. Lembras-te dele em cachopo quando ele começou a ajudar o pai? Ele agora tem quarenta e seis anos e, como sabias, herdou o negócio do pai.
Claro que não posso gostar dele como gostei de ti. Mas tenho que admitir que estou muito bem e gosto muito deste novo conchegozinho. Lá por ser velha, não tenho direito a ter alguém que ainda me aqueça a cama? O Juvenal é trabalhador, sadio e, ao contrário de mim, até parece mais jeitoso agora do que em moço. Tenho a cama quente, os sapatos arranjados e alguém para cuidar de mim quando a saúde me faltar. E quantas mulheres como eu tiveram a chance de serem desposadas por dois homens, o segundo ainda com bastante vigor?
A vida dá muitas voltas e nunca se sabe onde isto vai dar. Mas espero que a coisa se mantenha para o resto da minha vida. Tu bem sabes que mereço passar os anos que me faltam de forma tranquila, de quem trabalhou arduamente uma vida inteira e está no merecido descanso. Por isso, deixa-me ser agora mulher de outro. Até Deus Nosso Senhor me levar para daqui, para junto Dele, e espero que também para junto de ti.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Algo

- Olá!
- Olá! Tudo bem contigo?
- Tudo. E tu?
- Também está tudo bem.
- Óptimo...Então, adeus.
- Adeus.
Tinha dito a si próprio que a tinha esquecido. Mas claro que nunca a esquecera. Nem ela tão-pouco o esquecera, bastou vê-la para perceber. Encontrou-a no meio da rua, naquelas situações onde não dá para se fazer de distraído. Cada qual estava acompanhado, ele com uma loura esfuziante, ela com um tipo engravatado. Ele reparou que ela usava a mesma blusa azul de quando a viu pela primeira vez. Tanto tempo passou e ela parecia que mal tinha mudado. Que aquele rosto terno e tímido era o mesmo de quando a conheceu. Ou ainda antes...


ANTES...
- Puta do caralho, foste para a cama com esse cabrão!
- E tu fodeste com aquela vaca putalhona!
- Mas eu deixei-a por ti, tu é que queres trocar-me por ele.
- Deixaste-a por mim! Ai, que generoso. Lá estás tu a fazeres-te passar por santo e eu pela má da fita.
- Deixa-te de merdas.
- Já não posso mais. Estou sufocada.
- Sufocada, tu? Essa é boa. Fazes o que queres e te apetece...
- Faço o que quero? Eu fiz sempre tudo o que TU querias. Porque tem de ser sempre como tu queres senão ninguém te atura.
- Ai é? Então faz como queiras. Vai-te embora, se tu quiseres. Mas, por favor, cala-te.
Depois dos gritos, o silêncio. O que mais havia para dizer, para gritar? De que valia andarem aos berros e a atirar coisas? Perceberam que tinha chegado o fim. Era como se um já não 
tivesse lugar para o outro. Olhando para trás, se não tivessem cometido tantos erros, se tivessem lutado mais por eles, se resistido mais às tentações, não estariam aqui neste ponto sem retorno. Mas agora já é tarde demais.


ANTES...
Ele parece vê-la lá ao longe. Aproxima-se e confirma que é mesmo ela. Está bonita e radiosa como há muito não a via. Ela olha sempre em frente, procurando alguém. Talvez uma amiga. Ele não quer fazer de espião, mas a curiosidade é mais forte. Quando vê o Gonçalo, um colega do trabalho dele. O tipo de pessoa que está sempre de aspecto impecável e que parece nunca pôr uma pata na poça. O sorriso de espião infiltrado desvanece-se quando eles se abraçam e ele lhe dá um beijo na face. Podia não ser nada demais, mesmo assim. Excepto que o rosto dela ilumina-se. Como quando ela o via, há uma eternidade atrás. Ela gostava de ouvir Sheryl Crow.   


ANTES...
Ele entra no quarto. São quatro da manhã. Ela finge que dorme. Ele despe-se e deita-se à pressa. Ela, como quem não quer a coisa, chega-se para junto dele. Ele vira as costas e coloca uma barreira de roupa da cama entre eles. Ela repara num cheiro a perfume que ela nunca usou e que ele nem se deu ao trabalho de ocultar.


ANTES...
O que se passou para ela o achar diferente? Aqueles defeitos, aqueles nadas que ela de início mal reparava, agora irritam-na para além da razão. É o tampo da sanita que ele deixa levantado. É a banheira cheia de pêlos no ralo. É o ruído canídeo que ele faz quando se espreguiça. São aquelas boxers pavorosas com estampado de cãezinhos que ele insiste em usar e em tê-las lavadas e passadas. É ele que come sempre depressa como se fosse apagar um fogo. São os imbecis dos amigos dele sempre com piadolas boçais e nojentas. O homem que ela julgava perfeito é afinal um grande chato. Ainda há pouco, não via nada para além do seu sorriso e do seu olhar. Só pensava em como ele a fazia sentir quando a apertava contra si. Só ouvia a sua voz sensual a dizer baixinho o seu nome. E ela mal acreditava que alguém como ele pudesse amá-la tanto. Será que ainda acredita?

ANTES...
O que está feito, feito está, repete ele. Que estúpido que foi. Por que raio foi ele para a cama com a Joana? Se é ela que ele ama, é com ela que eu partilha o tecto e a vida, é com ela que ele quer casar... Se tivesse que ser ao menos que fosse com uma desconhecida, não com uma gaja que apesar de não ser amiga dela, ela sabe bem quem é.
Ele gostava de saber como é que ele chegou até ali. Terá gostado de ter chamado a atenção de outra mulher? Teria resolvido responder aos avanços dela, apenas de forma inocente? Terá tudo se desencadeado depressa demais? Terá tido saudades dos jogos de sedução, da emoção da caça?
Não importa. Ele traiu aquela que ama. Aconteceu. O que está feito, feito está. É inútil afastar a culpa que o persegue. Resta-lhe a frágil protecção de um segredo. Ela nunca poderá saber...

ANTES...
Mas por que raio é que as mulheres embirram tanto com a porra do tampo da sanita? Ela tinha que fazer uma cena por causa disso? Passou-se, só pode. Mas pronto, acontece a qualquer um. Mas ultimamente, anda a embirrar por tudo e por nada. Ela nunca fora de dar aquela estúpida importância àqueles pormenorzinhos insignificantes. Bem pelo contrário, ela sempre lhe pareceu tão descontraída e descomplexada. Algo nela deixa-o apreensivo. Que é feito daquela tipa bestial que o cativou assim que a viu? Ele não quer acreditar que está perante um caso de metamorfose quase kafkiana. Ele ainda a ama.
Só que...

ANTES...
Seis meses de paixão. Que bela é a vida. Que bela esta manhã de sábado, com a chuva a cair lá fora e eles bem quentes, abraçados debaixo dos cobertores. Como se bastasse isso para serem felizes. Ela deita a sua cabeça no ombro dele e afaga-lhe o torso. Ele passa as mãos pela cabeleira arruivada dela. E como se nada fosse, de repente a coragem para fazer aquela pergunta que há muito tempo ele lhe quer fazer.
- Sabes, detesto termos de andar de um lado para o outro. Mal consigo estar longe de ti. Talvez seja melhor...
- Tens a certeza? - ela percebe logo o subentendido.
- Nunca tive tanta certeza.
- Então quando é que tu pensas mudar-te para cá?
- Mudar para cá? Eu estava a pedir-te para que viesses morar comigo.
- Mas a tua casa é muito longe do meu trabalho, e aqui até nem ficas longe do teu...
- Não, até fico bastante longe do meu emprego.
- Eu sei...mas não podes fazer isso por mim?
Ele hesita. Mas acede.
- Está bem.
Eles beijam-se e voltam a fazer amor. Eles não cabem em si de contentes. Tanta paixão até lhes causa medo. Mas medo de quê?

ANTES...
Ainda bem que ela o desafiou para aquele passeio de bicicleta na serra. Está um belo dia. O ar não podia parecer mais puro a fluír-lhe pelos pulmões. A serra não podia estar mais verdejante e gloriosa. Credo, até os passarinhos a pipilarem é mais doce música para os seus ouvidos. Ele está mesmo apanhado.
Os dois sentaram-se sobre uma manta e lançaram-se avidamente à merenda. Quando estão saciados de comida, ela aproxima-se dele e beija-o ao de leve. Eles olhem em volta, ninguém por perto, não estão numa zona muito visível. Entreolham-se.
- Queres?
- Quero?
Agora há mais algo por saciar.

ANTES...
- Só te conheço há duas semanas, mas começo a ficar completamente louco por ti. Ainda me acabo por apaixonar, se é que já não estou.
A frase está lançada. Ele espera pela resposta. Ele fixa-se nos olhos dela que, à luz das velas, parecem faíscar. Ela não consegue dizer nada, mas o olhar dela diz tudo. Ele continua:
- Eu não sei que sensação é esta, mas seja como for estou a adorar sentir.
- Também sinto o mesmo. Também adoro, nunca senti nada assim.
- Eu também não. - uma pausa. - Amo-te.
- Também te amo.
Ele faz deslizar o vinho branco pelos copos. Os dois brindam e bebem, entreolhando-se. Com que então isto é que é o amor. Os olhos dele brilham como as chamas das velas. Ela mal pode acreditar que alguém como ele a ama. Mas acredita.

ANTES...
Ela entra na loja, detém-se um pouco a ver os CD até pegar naquele que ela quer. Ele observa-a de soslaio. É alta, de cabelo arruivado e a blusa azul que traz vestida fá-la parecer casualmente elegante. Ela só se apercebe dele quando se dirije para ir pagar à caixa. Ele repara no CD que ela traz na mão.
- Gosta de Sheryl Crow?
- Sim, soube que ela tem um novo álbum. Mas o "Strong enough", do primeiro álbum dela, é a minha canção preferida de sempre.
- Não me recordo como é.
Ela não resiste em cantar, mas baixinho.
- Are you strong enough to be my man?
- Maybe.
Ela ri. Ainda que não seja o tipo de homem que ela costuma mais apreciar, ele é bastante atraente. É da altura dela, moreno, de olhos pretos. Fica-lhe bem a barba de dois dias.
- Eu chamo-me H. - diz ele.
- Eu chamo-me M. - diz ela.
A conversa continua até chegar a vez de ela pagar. À saída da loja, ele pede-lhe o número de telefone. Algo lhe diz a ela para o dar. Algo lhe diz a ele que vão se voltar a ver. Algo lhes diz que algo vai acontecer.