terça-feira, 30 de abril de 2013

Passo de Gigante

Querida Ju:

Se eu pudesse reescrever a nossa história, só mudaria o início. Teríamos conhecido em Portugal, numa tarde de Sábado banhada pelo sol, onde descobrias pela primeira vez as maravilhas do meu país. Estarias a mirar o belíssimo azul do céu português e a indagar se seria o mesmo tom do céu que conhecias dos teus anos de menina no Brasil. Ouvir-se-ia o bramido do mar ou o torpor do Tejo. Já eu iria a passear sem destino, perdido como sempre nos meus pensamentos. Mas fosse como fosse, haveria de reparar assim de repente em ti e iria meter conversa, olá o meu nome é Nelson. Ao que responderias, abandonado a tua timidez habitual e adoptando a pose descontraída de uma actriz numa cena de telenovela da Rede Globo, muito prazer, me chamo Juliana, que lindo dia esse aqui em Portugal.
Sim, eu sei, que cena mais foleira, mais brega. Nem nos livros da Danielle Steel que a Mónica lia na adolescência. Quem sempre teve jeito para a escrita era o Ricardo. Já eu, que sempre fui mais virado para a ciência, quando me dá para o lirismo só me saem pirosices.

Mas seja como for, achei tão pouco romântico o nosso primeiro encontro. Apesar de ser uma cidade bonita, Oslo não inspira encontros apaixonados como Lisboa, Paris, Roma, Praga ou até Londres. Ainda para mais num dia frio de Abril ainda com tanto resquício invernoso, num bar apinhado de gente onde fomos apresentados por amigos comuns que achavam que só por falarmos a mesma língua, iria ser reinventada a pólvora. Por acaso, até acabou por resultar mas levou o seu tempo até vermos um no outro um potencial amante. Aos poucos fui percebendo que o que eu julgava ser o teu excesso de timidez era apenas o teu jeito introvertido de ser, já que não és de conviver só por conviver e preferes uma interacção mais selectiva, de um para um, a moveres-te no meio de um grande grupo.
Eu também sou um bocado assim, só perdi os meus modos de bicho de mato nos meus anos universitários, onde, pela primeira vez longe do lar parental, investi a sério em fazer amizades e em tornar-me um ser mais sociável. Foi também aí que descobri que dispunha de encantos masculinos que não escapavam os sagazes olhares femininos. A minha iniciação amorosa e sexual trouxe-me algumas desilusões e deixou-me baralhado, mas ajudou-me a descobrir o meu potencial de sedutor. Verificando que eu não era nada feio e deixando de ser parvo, fui jogando as cartas que tinha no jogo da sedução. Durante anos a fio, foi isso que me bastou,  a excitação do jogo, o lançar dos dados, o prazer das vitórias e o desportivismo das derrotas. Se eu fazia planos que envolvesse amor constante e uma relação sólida, era apenas em certos recantos da minha mente onde me permitia a sonhos distantes, quase abstractos. Sonhos que só ganhariam consistência e solidez quando tivesse a mente e o coração abertos para tal. Mas que sempre existiram.

Quando cheguei à Noruega, ainda julgava esses sonhos distantes e difusos e a minha ideia de relacionamentos era dar uso ao meu charme de sul-europeu e animar umas quantas nórdicas. Até porque tinha o coração ainda dorido pela perda da minha mãe. Foi então que naquele bar apinhado, fomos apresentados e nem a tua introversão te impediu de me presenteares com uns sorrisos nem a minha cabeçudice me impediu de estar atento ao teu encanto subtil. Meses mais tardes depois, com mais alguns encontros em grupo e depois alguns a dois, o que me parecia ténue começou a tornar-se nítido. E apercebi-me que afinal estava preparado para receber aquilo que estavas disposta a dar-me, com vontade de te retribuir com juros. Os desejos que acalentava em mim já não eram os mesmos, já não queria conquistar várias mulheres, havia uma mulher que queria conquistar várias vezes. E queria ser o homem que pudesse ser o teu rochedo e o teu repouso de guerreira, onde pudesses despir as tuas defesas e entregares-te ao conforto interior que tanto te tinha faltado na tua vida.
Claro que nem tudo foi rosas, era a primeira relação amorosa séria para ambos e por vezes era como se caminhássemos por um campo minado, com medo dos obstáculos e dos inevitáveis tédios e desilusões mútuas. Eles vieram e foram, mas lá soubemos escapar minimamente ilesos. Nos piores momentos, não houve discussões, desconfianças e aborrecimentos que me impedissem de me esquecer por muito tempo os motivos porque gosto de ti. Ou para gostar de ti mesmo sem motivo. Por isso, se um início mais idílico para a nossa história é a única coisa que gostaria de reescrever, já é muito bom. Até porque os arrependimentos são uma carga demasiado pesada.

E eis-nos chegados a este momento, onde acabo de ter dar um anel e falamos em casamento. É mais um passo de gigante e convém não menorizar. É fácil dizer que um papel passado não muda nada, mas nem sempre é assim. Conheço casos de casais felizes em que a oficialização despoletou sensações, por vezes inconscientes, de propriedade e possessão. Nem toda a certeza e racionalidade do mundo por vezes nos poderá valer quando nos tropeçarmos em mais lombas no caminho. Mas até agora, não me importo dos trambolhões que dei contigo e que dei por ti. Por isso, espero que este papel seja apenas uma das muitas páginas ainda por escrever.

Tchi amo,
Nelson