quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Nas Nossas Mãos

Joana

Este foi o primeiro Verão que a Inês passou férias diferentes com cada um dos pais. Eu temia a princípio que fosse demasiado confuso para ela, mas qual quê, para ela estava tudo perfeitamente claro, nós é que estávamos a complicar as coisas e a esquecermos de como ela é bem mais esperta do que aquilo que julgamos. Aliás, ao longo de todo o processo da separação, a Inês percebeu sempre tudo - até aquilo que eu e o David achámos que ela era nova demais para perceber - e tem-se adaptado bem à nova vida comigo num lado e com o pai no outro. 
Não é que estivéssemos em competição, mas sabia que ir à Disneylândia de Paris com o pai era imbatível, por isso decidi optar pela simplicidade para as nossas duas semanas fora da cidade. Descobri esta adorável casinha no concelho de Ferreira do Zêzere que além de ter piscina, fica perto de uma praia fluvial e aproveitando o sossego e a frescura do local, iríamos entregar-nos ao mais completo dolce far niente, limitando limpezas e tudo mais ao mínimo essencial. A Inês adorou e eu ainda mais. Por entre nadar na piscina e na praia (com sete anos, ela já nada melhor do que eu nadava aos doze), ver DVDs da Disney e da Violetta, sentar-me na rede a ler um livro enquanto ela se entretinha a jogar no tablet ou a colorir livros e comermos coisas simples e fáceis de preparar, parecia que tínhamos entrado num universo paralelo, onde não havia horários, regras a cumprir, avaliações a respeitar. A certa altura, dei comigo no carro a cantar com a Inês canções da Violetta a plenos pulmões na figura mais tola possível mas sem qualquer medo de o parecer. Acho que nunca na vida me senti tão liberta das inibições que sempre dominaram a minha vida.

Mas cada vez mais me convenço que existe uma nova Carina, mais liberta e senhora do seu nariz, menos permeável à opinião dos outros. Com o fim do meu casamento, tantas vezes que duvidei se conseguiria sobreviver e afinal de certa forma, sinto que só agora comecei a viver a sério. Claro que até então tive muitos momentos felizes ao longo da vida, inclusivamente ao lado do David. Mas sem dúvida que há outro sabor em viver a vida caminhando pelo nosso pé, cada conquista feita de enorme esforço e até alguma frustração mas intensamente vivida, sem regermos por regras que não as nossas e termos de dar satisfações a ninguém. O David nunca me apontou nenhuma falha na lida da casa mas sei que, talvez até conscientemente, havia de coisas que ele esperava que eu cumprisse e sobretudo eu própria sentia que se eu não correspondesse a um certo padrão estava a fracassar. Foi preciso passar por tudo isto para descobrir que o mundo não parava se não lavasse a loiça após o jantar. E que ir onde quisermos sem prestar contas ou fazer programas a sós, como ir ao cinema, pode ser algo estimulante e nada solitário. Até porque sei bem como é sentir-me solitária no meio de tanta gente.

Por essas e por outros é que compreendo a relutância da Vanessa em avançar as coisas com o Daniel. Tudo bem que ele é um tipo cinco estrelas, que tenho a melhor ideia dele, mas também já sei entender a satisfação que a Vanessa tem de ter sido independente e de tudo aquilo que ela conseguiu por si mesma. Para alguém como ela, será  difícil encarar uma vida em que se terá de reger em grande parte por aquilo que esperamos de outra pessoa e que o outro espera de nós, com todos os benefícios e desvantagens que isso traz. Apesar de eu pensar que muito dos receios dela quanto a isso são mais complicações sem nexo na cabeça dela que de outra coisa, os tais aranhões de que ela costuma falar.

Eu não ponho de todo a parte de um dia refazer a minha vida com outra pessoa, mas acho cada vez mais absurda essa ideia tão incrustada na nossa sociedade que a vida só faz sentido com alguém ao nosso lado. Por isso é que tantas e tantas mulheres sujeitam-se a tudo para não estar sozinhas, como se esse fosse o horror absoluto e o maior fracasso como mulher. A minha mãe volta e meia diz-me isso de forma algo velada mas eu já nem a ouço. Talvez outrora eu pensasse assim também, mas agora que percebi que o meu mundo continuou a girar quando fiquei por minha conta, já não vejo nenhuma razão de ser nisso. Claro que a ajuda - financeira e não só - do David para a Inês é ainda muito importante, mas ano e meio depois após o meu divórcio estou orgulhosa daquilo que tenho alcançado: gosto do meu trabalho na imobiliária, tenho gerido as minhas finanças e as minhas responsabilidades de forma hábil, sinto que faço a minha filha feliz, reatei a amizade contigo e com a Vanessa e tenho agora uma sensação de liberdade, pela qual paguei um duro preço, mas que me traz bastante paz e satisfação. E não há nada que pague o sentimento de que felicidade está nas nossas mãos, com ou sem alguém do nosso lado.

Carina

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